Abel Ferreira descarta Endrick no Mundial (Abu Dhabi nos Emirados Árabes) e diz que garoto do Palmeiras precisa brincar e ir à Disney: "Não tenham pressa". Apesar de o treinador pertencer ao futebol negócio, mostrou ter dele uma visão crítica.
Endrick veio ao mundo a serviço. E segundo o mestre Masaharu Taniguchi, a pessoa chega à perfeição quando não sabe mais se brinca ou trabalha tal o nível de satisfação. Diante do sucesso e de um novo estilo de vida que se avizinha, o garoto ainda brinca. Está até brincando com uma menina bem loirinha.
O garoto, quando tinha 10 anos, nascido em Valparaíso de Goiás, município limítrofe de Brasília, num dia de fome aguda, vendo o desespero do pai disse-lhe que ia tirar a família da miséria com seu futebol, tinha consciência de seu potencial.
Assim, família focada procurou uma escolinha de futebol em Brasília. O Seu Douglas Ramos de Souza, o pai, que era um jogador de futebol malsucedido, conhecedor do caminho das pedras, amparado pela escolinha, mandou vídeo com as jogadas para o mundo da bola. Eles sabiam que, numa sociedade de brancos, a ascensão social dos negros se dá pelo futebol e pela música.
Isso foi em 2016. Os times só ofereciam merreca, a oferta mais encorpada que acolhia toda a família foi a do Palmeiras, oferecendo casa e emprego. Mudaram-se para São Paulo, o novo domicílio. O próprio Douglas foi acolhido no Allianz Park com emprego. O menino ficou sendo o mascote do time principal. O goleiro Jailson custeou um tratamento dentário para o pai do garoto.
Quando vi pela primeira vez o Endrick jogar, Copinha São Paulo 2022, ele marcou dois gols no Real Ariquemes. Um deles parecia Endrick um bailarino, as chuteiras viraram sapatilhas diante de tanta leveza. O goleiro foi o passo final.
Dia 21 de julho deste 2022, Endrick porá as mãos na fortuna, quando completará 16 anos, idade em que pode assinar um contrato profissional. Tomara que permaneça ileso nesta roda-viva até o próximo aniversário, e que seja esperto.
Brinque com a bola, nos entretenha, imite o Mané Garricha nos dribles, mas não o siga no exemplo de vida, toda torta.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor