O jornal Folha de São Paulo, 18/05/2022, mostrou a foto que também reproduzimos para ilustrar essa crônica. É possível vê-la e dizer: "Seus vagabundos! Estão assim porque não souberam aproveitar as oportunidades que o sistema oferece. Quem sabe depois dessa esfrega, no próximo inverno, estarão em situação diferente!" É possível.
Outros poderão dizer ao ver a foto: "Ainda bem que não estou na foto!" e fazer o nome do pai. Ou pronunciar: "Aleluia!" O prefeito pode passar e dizer "Eu administro bem esta cidade! Todos estão pagando seus impostos, menos esses vagabundos!" Os mais radicais talvez quisessem matá-los, todos de uma vez só, com uma rajada de metralhadora.
Então, enquanto isso dormimos debaixo de nossos cobertores, fechando todas as frestas de nossa casa porque o frio era medonho. Sentindo-nos agraciado pelo aconchego.
Algum bom samaritano teve a misericórdia de lhes dar um cobertor. Este alguém é o padre Júlio Lancelotti, que usou a força da Palavra de Deus a favor dos pobres, chamou mais gente de sua paróquia em São Paulo e fazem o trabalho de socorrer os flagelados de nossa indiferença.
Atitude que não muda nada, pois a fábrica de miséria continua funcionando, mas atendeu a uma necessidade mais urgente. Como dizia Mahatma Gandhi: nada resolvemos falar de Deus para um faminto, antes precisamos matar a sua fome. Nessa atitude, o carente estará vendo Deus no rosto de quem estendeu o cobertor, ofereceu um prato de comida. Assim mesmo morreram dois. Não acordaram.
Todas as pessoas deitadas naquele chão público não são santos, nem pessoas puras, pode haver até criminosos fugindo da justiça. Na hora de socorrer, não é hora de julgar. Aliás, não se faz isso em hora alguma.
O tamanho da fila mede o jeito como estamos nos cuidando, se estamos deixando o outro a viver também. Ela é o infográfico mais fidedigno do pecado social.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor