Dois internautas entraram em contato comigo, pediram que eu fizesse uma crônica sobre a mulher que retirou a mãe de 81 anos à força da Santa Casa de Araçatuba, sendo que ela havia sido diagnosticada com a covid-19 (coronavírus). A senhorinha morreu em casa depois de quatro dias e foi feito um velório, como se ela não tivesse sido contaminada pelo coronavírus. Velório cheio, contaminação em massa. Segundo os noticiosos, ela morava no bairro Juçara.
O primeiro internauta queria que eu fizesse um texto vingativo, pois a filha foi cruel com a mãe e irresponsável com todos. O segundo, me pediu uma reflexão a respeito.
Em conversa pelo zap com meu filho, sobre o fato de as pessoas se reunirem em bares no Leblon, bairro do Rio de Janeiro, em plena pandemia, e uma mulher jovem, com diploma universitário, ter sido tão arrogante com o fiscal da Prefeitura, ele se mostrou desanimado com a humanidade.
Como a arrogância dela foi divulgada com imagem e som pelo Fantástico, Rede Globo de Televisão, a engenheira foi despedida da empresa onde trabalhava com as seguintes palavras: "A Taesa ressalta que segue respeitando o isolamento e as mais rigorosas regras de prevenção ao coronavírus e que a empregada em questão desrespeitou a política vigente na empresa. Diante dos fatos expostos, a Taesa decidiu por sua imediata demissão". A vingança veio em alta velocidade.
Respondi ao filho que a humanidade está metida na escuridão, meio podre e que até parte das religiões estão corrompidas. E que a pandemia é um ponto de mutação, segundo Confúcio, uma mudança que não conseguimos fazer com nossas próprias forças. O coronavírus não atingiu apenas um país ou continente, não escolheu raça nem ideologia, isso facilitará a mudança.
Conforme o teólogo brasileiro Leonardo Boff "não podemos considerar o coronavírus como um dado isolado. Ele deve ser visto dentro do contexto que permitiu sua irrupção. Ele veio da natureza". O planeta não aguentava mais.
O papa Francisco completa a mensagem em sua encíclica “sobre o cuidado da Casa Comum: ”Nunca maltratamos e ferimos nossa Casa Comum como nos dois últimos séculos”. Querendo ou não querendo, gostando ou não gostando, as mudanças necessárias virão ao mundo após a pandemia.
No processo pandêmico, as almas pequenas se manifestam grotescamente, como a filha que não queria que sua mãe falecesse de coronavírus e nem tivesse um enterro tímido. A filha cruel se acha maior que o mundo, talvez nem saiba porque nasceu, não tem uma visão cosmológica do planeta. Revelou-se com suas ações uma pobre criatura.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP