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NÃO CONSIGO RESPIRAR

E a sociedade em que seres da mesma espécie são mais do que os outros

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Em fevereiro de 2019, defronte ao supermercado Extra em Cabo Frio, Rio de Janeiro, um rapaz também morreu sufocado por um segurança contratado pelo estabelecimento, David Ricardo Moreira Amâncio. Isso foi no Brasil.

A mãe de Pedro gritava: "Tá sufocando ele". Ela foi ignorada.

Agora ocorreu com George Floyd, cujo assassino foi um policial, Derek Chauvin.

Enquanto o policial apertava o pescoço do negro, este gritava a frase: "Não consigo respirar". Ela foi ignorada.

Há uma diferença: no Brasil o vigilante era um afrodescendente e o assassinado branco, Pedro Henrique Gonzaga. Bem diferente do que ocorreu nos Estados Unidos, um policial branco assassina um negro. Tanto lá como cá, a vida foi desprezada por coisas insignificantes, não importa a cor. O sangue tem apenas uma cor, é vermelho. Sangue azul é conversa para pretensiosos.

A mulher com o coronavírus, desesperada, queria respirar. "Está me faltando ar!", gritava. Mas o hospital não tinha respiradores. Virou óbito da Covid-19.

Os pescadores fizeram a maior farra, fisgaram do rio um dourado que pulava como doido no anzol. A pescaria rendeu. O peixe não gritava, mas seu desespero revelava a falta d'água, não conseguia respirar. Foi para o tacho, ser frito.

Na Amazônia, vários fazendeiros e garimpeiros derrubaram extensas florestas para que ganhem dinheiro com aquilo que é de todos. A humanidade já está sentindo o ar poluído. Doenças respiratórias.

A frase de George Floyd virou um verso da poesia da igualdade. Numa sociedade em que seres da mesma espécie são mais do que os outros, "não consigo respirar" se transforma em denúncia. Dignidade passar a ser tão importante quanto o ar.

Em peças de teatro, em filmes, em performances, em espetáculos de danças em praças públicas a frase "Não consigo respirar" passa a ser uma denúncia de que existe uma sociedade desigual em que o ar da sobrevivência não existe.

Quem matou George Floyd não foi o policial Derek Chauvin, todos os joelhos dos norte-americanos brancos que são conservadores, racistas estavam sobre aquele pescoço.

Deixo o meu niilismo de lado para desejar à humanidade dias felizes, quando a única falta de ar que cada um sentirá nalgum dia será provocada pelo aperto do abraço da fraternidade!

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro das academias de letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP e Itaperuna-RJ.


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