Então, o presidente da entidade abriu a sala virtual de reuniões. Depois de todos se conectarem, comunicou com todo entusiasmo dizendo que as reuniões da entidade seriam, enfim, presenciais a partir de novembro.
- Como assim? - perguntou com cara estranha um dos presentes na reunião on-line.
- Você nunca fez reunião na sede da entidade, fizemos tantas! Ela ficou tão abandonada que os fios foram roubados - respondeu o presidente desconsolado.
- E quando você vai mandar o linque? - perguntou outro membro reconhecendo a nova situação.
- Nada de linque, companheira, você toma banho, passa perfume, pega o carro e vai para a sede. Com a roupa de cima e também a de baixo (risos). O linque de reunião presencial é a empatia.
O presidente continuou seu discurso sobre a necessidade do calor humano nas reuniões presenciais, olho no olho, ouvir ao vivo a voz de cada um, sentir o cheirinho...
E acrescentou:
-Mas todos com máscara!
- Nossa, com o combustível no preço que está! Pagar Zona Azul... - reclamou o mais pão-duro dos membros.
E os comentários foram os mais diferentes. Antes, ficavam em casa por causa do vírus; agora, por causa do preço dos combustíveis.
- Esse Bolsonaro não serve mesmo para nada! - gritou ao microfone um velhote.
- Nem o Paulo Guedes - completou outro.
- Nada de política, companheiros! - observou o presidente.
- Não tem jeito de continuar virtual? Não precisaremos varrer a sede e nem arrumar as cadeiras - disse uma velhinha, a que mais tinha resistido às videoconferências.
- Vai ter um banheiro privativo como na minha casa? - perguntou o mais gordinho.
- Banheiro coletivo? Aquele antigo que você conhece. Não temos dinheiro para reformar a sede.
Nossa personagem tinha razão. Antes, para organizar a reunião era só marcar a data, mandar a pauta e o linque. Tudo pelo zap. O pessoal só trocava a camisa, ficava até de cueca ou calcinha, batendo o maior papo. Alguns até venderam a roupa de baixo ao brechó.
- Escuta, eu vou ter de voltar a morar em Araçatuba para participar das reuniões, nada de me conectar lá do rancho? - disse a mulher esnobe.
Um sujeito ouviu gritos quando alguém disse:
- Não dá para fazer o Dia do Fico para a pandemia?
Quase o virtual se tornou real e braços em forma de soco vazariam a tela e acertariam o rosto do proponente.
Aí, um engraçadinho interferiu dizendo:
- Dia do Fico, só um teve esse o direito, Dom Pedro I.
E a reunião terminou em gargalhadas.
Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor.