A nossa vida só vale a pena porque é um mundo de relações. O meu pai achava que era só trabalhar; cultivar amizade e vida social era besteira.
O supermercado é um local de encontro de pessoas, há até a categoria "amigos de supermercados", quando o estabelecimento tem uma freguesia fiel. O dono ou gerente nem quer saber disso, ele quer saber de faturar, mas é um encontro de gente à procura de sobrevivência.
Amigo de supermercado é uma amizade meio silenciosa, feita de cumprimentos em voz baixa, meneios, frases queixosas de preço. Há os solitários, que vão lá, nem empurram carrinho, gostam mesmo é de conversar.
No supermercado, é um lugar de paquera. Na seleção de alho, vagem e outros legumes nas gôndolas, as mãos se encontram. É o desejo de sentir a pele do outro, a falta de um abraço.
Ainda há gente que faz a compra do mês. Carro velho no estacionamento. Filhos. Como faziam os antigos quando vinham para a cidade fazer compras, no final, chupa-se um sorvete de massa. Naquela época, parava-se a charrete numa sorveteria, agora, o sorvete é vendido no supermercado mesmo.
Mas nem tudo é paz e amor nestes tempos de Bolsonaro, durante as compras; há muito ranger de dentes, cálculos feitos e refeitos na máquina de calcular do celular, produtos largados ao pé do caixa porque o dinheiro não deu.
Durante a pandemia, por comodismo e medo da Helena de se contaminar pela covid, fiquei encarregado das compras no supermercado.
Há fatos interessantes, digno de registro. Nos Supermercados Rondon, vende-se "almeirão do Pão-de-açúcar", ou seja, produto com o nome do concorrente. Na mesma casa, a laranja-lima, para não ser confundida com a laranja-pera, marcava-se com a letra "L" cada fruta a pincel atômico. Como a letra "L", nesta campanha eleitoral, virou um gesto dos lulistas, só se faz agora um risco. Fui procurar a laranja da Bahia, para ver se o "B" estava bem grandão, mas me enganei, não havia nada marcado. O dono é da terceira via.
Assaí e Pão de Açúcar não têm produtos locais ou regionais à venda, não descentralizam as compras. Stock, Amigão e Muffato só vendem produtos do Paraná, pois suas matrizes são daquele estado.
Há algum tempo, em Araçatuba, cada ano abria um supermercado e fechava outro. Agora parece que estabilizou, mas ando comprando também no empório e mercadinho de bairro, nem tudo, alguns produtos, há preços melhores. Aposentado é um ser com tempo suficiente para fazer tais andanças.
Há gente que abomina os verbos comprar e vender, acha vil o dinheiro. Eles são instrumentos necessários nas trocas de mercadorias. Abominável mesmo é a enorme diferença entre nós, alguns com tudo e muitos com quase nada, nem entram no supermercado.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor
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