Como sabem, estamos diante de um desafio sem precedentes para nossa geração. A pandemia do novo coronavírus está impactando a tudo e a todos de maneira profunda e estrutural. Temos várias perguntas e pouquíssimas respostas. Uma coisa, porém, me parece clara: o mundo mudou e a retomada, que não sabemos ainda quando e como ocorrerá, será rumo a uma nova normalidade.
(Frederic Kachar, diretor geral do jornal Globo)
Amanhã, o mundo não será o mesmo, isso dentro da normalidade. Cada pessoa não é a mesma. As mudanças acontecem sub-repticiamente, não aparecem a cada dia no espelho. De repente, no juntar de dias, percebemos que não somos o mesmo no espelho.
Chamo a poetisa Cecília Meireles para testemunhar isso com o poema "Retrato":
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
Não conheço Frederic Kachar, o jovem dirigente e jornalista, nem qual é a sua ideologia, mas gostei de sua constatação. A pandemia nos mostrou que nada é definitivo.
Depois da volta da quarentena, muita gente que era importante, vai ficar sem função; haverá uma troca de cadeiras, nesse interregno descobriremos que muitos procedimentos eram desnecessários, tanto na administração pública como na privada. Não estou falando de política.
Organogramas inúteis, departamentos desnecessários, trabalhar mais em casa do que na empresa. Avanço significativo da realidade virtual. Vontade de praticar o ócio criativo virá com mais força. Cronista não é sinônimo de profeta, mas, aqui em casa, fomos nos virando com a faxina, parece que a faxineira não voltará mais amiúde.
Como não investir em saúde durante a normalidade, se agora, durante o corona, descobrimos que saúde é cuidar de nós; como não investir em educação, se educar é deixar as pessoas com mais compreensão da realidade, menos ignorantes.
Estou sendo otimista, porque pode haver mudança com o caos."Trabalho assíncrono, realidade virtual para velhinhos, renda básica universal, corrida por liquidez e o jubileu do débito." Aí não sobrará pedra sobre pedra
* Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP.