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NA ARTE E NA VIDA SEJAMOS RACIONAIS

Professor, jornalista e blogueiro, Hélio Consolaro, relembra em crônica quando Racionais juntaram 50 mil pessoas na avenida dos Araçás, começando pela antiga estação ferroviária, em Virada Cultural

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Assisti ao documentário sobre Racionais, grupo de rap fundado em 1988, na periferia de São Paulo. Ele está disponível na Netflix. Não é um filme biográfico sobre Mano Brown (Pedro Paulo Soares Pereira). "Racionais: das ruas de São Paulo pro mundo": lançado neste ano, novembro de 2022.

 

Nenhuma novidade, parece história de jovens pobres que usaram a arte como trampolim para a ascensão social. A grandeza do filme de Mano Brown e seus companheiros é que fizeram isso, mudaram de prateleira na escala social, mas nadando contra a maré: denunciando as injustiças sociais e o racismo, pegando pesado na ação repressora da polícia. Nada planejado, tudo na intuição: estava na pele, gente revoltada com a pobreza em Capão Redondo e Jardim Ângela. Tudo estourou na arte.

 

Este cronista tem a mania de levar seus assuntos para o campo subjetivo: contar experiências vividas. É o que vai fazer em assunto tão universal.

 

Em 2015, quando viradas culturais de Araçatuba eram comparadas em tamanho de público aos shows da Expô, a Secretaria Estadual de Cultura ofereceu para as cidades na grade o show de Racionais para Araçatuba e Presidente Prudente. Época que eu era secretário municipal de Cultura; Cido Sério, prefeito. Era uma administração petista. Racionais juntaram 50 mil pessoas na avenida dos Araçás, começando pela antiga estação ferroviária.

 

Tempo em que PT e PSDB sentavam-se na mesma mesa e planejavam eventos culturais. A cultura e os artistas eram tratados com dignidade.

 

Em anos anteriores, em São Paulo, show do grupo havia virado pancadaria generalizada, porque os policiais faziam a segurança embaixo, e eles criticavam a polícia nas letras de músicas no palco. Clima propício à violência.

 

Em 2015, Prefeito Cido Sério, todo garboso, foi ao Palácio dos Bandeirantes com seu secretário de Cultura. Afinal, Racionais em Araçatuba precisava ser comemorado.

 

O governador Geraldo Alckmin (hoje, vice-presidente eleito) fez uma solenidade para anunciar a grade da Virada Cultural Paulista em todo Estado de São Paulo. Governador se fechou com os prefeitos, sem a presença de assessores: fiquei pelo lado de fora.

 

Quando saiu da audiência com o governador, Cido Sério disse alegre, como se estivesse contando vantagem, que havia convidado o Alckmin para assistir ao show dos Racionais em Araçatuba.

 

Eu caí na gargalhada, pois Mano Brown, uma semana atrás, fora homenageado pela Assembleia Legislativa e no discurso havia pedido impeachment de Geraldo Alckmin. E o prefeito não soubera disso. Cido Sério pagou mico.

Não há show na rua sem segurança pública: polícia militar e guarda municipal são indispensáveis. E coronel, comandante local, numa reunião de trabalho, organizando a Virada Cultural, dava murros na mesa dizendo que não ia fazer segurança para bandido cantar. Era o prenúncio do bolsonarismo. Imagine como ficou o secretário da Cultura tentando mediar a situação.

 

O secretário municipal de Segurança Pública era o coronel Kerlis Ribeiro Camargo, já falecido. Em reunião com o prefeito, passou a representar a prefeitura na conversa com o coronel. E assim, na linguagem deles, tudo foi resolvido.

 

Fiquei sabendo por meio de uma palestra de Tito Damazo na Academia Araçatubense de Letras, que, segundo Otávio Paz, escritor mexicano, Nobel de Literatura 1990, nenhum povo fica sem poesia.

 

E é mesmo verdade, pois o rap, não considerado música e muito menos poesia por gente de bens, tem ritmo próprio, colocando em suas letras a denúncia do sofrimento do povo, suas dores, seus saberes. Não é á toa que o CD mais emblemático do grupo foi "Sobrevivendo no inferno". Deixo aqui um convite para que assistam ao documentário. "Sejamos racionais", pede Marcos Lopes, professor da Unicamp.

 

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor

 

(Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação).


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