Quando este cronista nascia, em 1948, publicava-se "Clara dos Anjos", romance de Lima Barreto, falecido em 01/11/1922, ano da Semana de Arte Moderna. É considerado um livro póstumo, embora tenha sido publicado em folhetim durante a vida. A história começou como conto e o autor o transformou em romance. Foi a última obra do rejeitado Lima Barreto.
Não estou fazendo resenha para vestibulandos, a minha pretensão é levar o leitor descompromissado com estudos a ler o livro e conhecer que o Brasil adiantou pouco no combate ao racismo. O autor usa o subúrbio do Rio de Janeiro, o gueto dos negros cariocas.
O romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto, faz parte da literatura brasileira do chamado Pré-modernismo, não foi uma escola literária, mas uma periodização imposta pelos estudiosos. Neste período, as obras se voltaram mais ao Brasil, discutindo seus problemas; são seus autores: Monteiro Lobato, Graça Aranha, Euclides da Cunha, Raul de Leoni, Augusto dos Anjos, Simões Lopes Neto e Lima Barreto.
Como autor negro, Lima Barreto trouxe a polêmica racista para dentro de seus livros, como também a subalternidade da mulher. Em Clara dos Anjos, como seu último livro, essas temáticas foram tratadas com mais agudeza numa linguagem mais próxima da realidade.
Para mostrar que Lima Barreto não foi um autor de poucos livros, apresentamos aqui suas obras escritas nos 41 anos vividos:
Recordações do Escrivão Isaías Caminha, romance, 1909
Aventuras do Dr. Bogoloff, humor, 1912
Triste Fim de Policarpo Quaresma, romance, 1915
Numa e Ninfa, romance, 1915
Vida e Morte de M. J. Gonzaga e Sá, romance, 1919
Os Bruzundangas, sátira política e literária, 1923
Clara dos Anjos, romance, 1948
CRÔNICAS ESCRITAS EM JORNAIS E RECOLHIDAS POSTUMAMENTE EM VÁRIOS LIVROS
Coisas do Reino do Jambon, sátira política e literária, 1956
Feiras e Mafuás, crônica, 1956
Bagatelas, crônica, 1956
Marginália, crônica sobre folclore urbano, 1956
Vida Urbana, crônica sobre folclore urbano, 1956
HÁ DOIS FILMES BASEADOS EM SUAS OBRAS:
Triste fim de Policarpo Quaresma (1998)
Osso, amor e papagaios (1957)
O nome de Clara dos Anjos já é uma ironia. Era afrodescendente e tinha o nome de "clara" com sobrenome "dos anjos", sendo que foi abandonada pela sorte. Os serafins não a protegeram.
Como menina ingênua de 17 anos, com pai e mãe, criada numa redoma, fazendo o papel da moça ingênua (como nos livros do Romantismo), caiu nas garras de um malandro ou um "vagabundo" (como o chamava o narrador intruso e partidário), branco, que gostava de deflorar negrinhas. Ainda dizemos nos jogos atuais, "vamos jogar a negra"? Quem ganhasse no jogo teria uma mulher negra de presente, esta é a origem da expressão.
Clara dos Anjos traz tudo que a burguesia da época não queria ver num livro: uma história cujas personagens eram os marginalizados, num espaço nada bonito, um subúrbio abandonado como são hoje as nossas periferias.
Clara dos Anjos é um livro barato, pois caiu no domínio público, 151 páginas, R$ 15,00, Edições Paulus. Às vezes, encontra-o em ebook ou PDF gratuitamente. Conhecer o passado para tentar melhorar o presente.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor