As enchentes devastadoras que atingiram o Rio Grande do Sul (RS) em 2024 lançaram luz sobre um dos maiores desafios atuais para a engenharia e a gestão pública: como enfrentar os crescentes volumes de chuvas e os impactos das mudanças climáticas nas cidades. Esse fenômeno, que tem se intensificado ao redor do mundo, exige uma nova mentalidade na elaboração de projetos urbanos, com infraestrutura capaz de mitigar os riscos e de reduzir os impactos dessas ocorrências.
As chuvas extremas registradas naquele estado foram resultado de um sistema de baixa pressão combinado com fatores atmosféricos que ampliaram a intensidade das precipitações, levando a uma crise humanitária e econômica nas regiões atingidas. Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), episódios como esses serão cada vez mais frequentes e severos, demandando que gestores e engenheiros adotem abordagens inovadoras e planejamento a longo prazo.
A engenharia tem sido desafiada a reavaliar sistemas de drenagem e soluções urbanas para a gestão de águas pluviais, especialmente em áreas metropolitanas densamente ocupadas. Modelos de infraestrutura baseados em parâmetros climáticos antigos estão se tornando obsoletos. Estudos da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) reforçam a necessidade de novos métodos que incluam variáveis climáticas recentes e prevejam o crescimento populacional, assim como o aumento da impermeabilização do solo.
As tradicionais redes de drenagem não conseguem, em muitos casos, escoar rapidamente grandes volumes de água. Isso resulta em enchentes em áreas urbanas, agravando problemas de saúde pública e aumentando os danos econômicos. Cidades como São Paulo, Recife e Belo Horizonte também já sofrem há anos com as consequências dessa inadequação, o que reforça a urgência em atualizar os padrões de engenharia e planejamento.
Inovações necessárias na gestão hídrica
Os especialistas apontam que a adaptação da infraestrutura urbana à nova realidade climática exige tecnologias de ponta, como o uso de sistemas de drenagem sustentáveis que consigam absorver e armazenar água, reduzindo o volume que chega aos rios e córregos. Além disso, técnicas como o uso de pavimentos permeáveis e telhados verdes são alternativas eficazes para minimizar a impermeabilização.
De acordo com o engenheiro e diretor da AEAN (Associação dos Engenheiros e Arquitetos da Alta Noroeste), Tarso Cavazzana, uma abordagem que ganha destaque é o conceito de “cidades-esponja”, que visa integrar áreas verdes e infraestruturas de retenção de água às cidades, permitindo que grandes volumes de chuva sejam absorvidos e liberados de forma controlada. Em Xangai, na China, essa estratégia já é realidade: a cidade transformou áreas de grande densidade em zonas de retenção hídrica com jardins e pavimentos permeáveis, reduzindo significativamente os riscos de enchentes.
“A implantação dessas novas abordagens exige que engenheiros e arquitetos trabalhem de forma integrada com gestores públicos, considerando que o investimento em infraestrutura de drenagem eficiente deve estar alinhado com o planejamento de uso e ocupação do solo. Segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), essa integração é essencial para garantir que áreas sujeitas a inundações sejam identificadas e tenham infraestrutura adequada”, afirma Cavazzana.
No Brasil, cidades como Curitiba têm implementado planos de manejo de águas pluviais que servem de exemplo, com investimentos em infraestrutura de retenção e ampliação de áreas permeáveis. Essas iniciativas têm mostrado resultados positivos, reduzindo enchentes e melhorando a qualidade de vida dos moradores.
Responsabilidade ambiental e social
De acordo com o diretor da AEAN, a mudança climática trouxe para a engenharia uma nova responsabilidade ambiental e social, e as estratégias para mitigar enchentes devem considerar as populações mais vulneráveis, que são as mais afetadas. Em muitas cidades, as áreas de risco estão ocupadas por comunidades de baixa renda, e a proteção dessas áreas requer um olhar atento dos gestores e um planejamento mais inclusivo.
“A adaptação das cidades à nova realidade climática não é apenas um desafio técnico, mas uma questão de justiça social. Conforme argumentado por especialistas, políticas públicas que busquem garantir segurança e bem-estar às populações em situação de risco têm um papel decisivo, e cabe aos gestores atuarem de maneira preventiva, destinando recursos para a infraestrutura hídrica”, comenta o engenheiro.
A engenharia e a arquitetura, ao lado de políticas públicas de planejamento urbano, precisam se alinhar a uma visão de longo prazo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os prejuízos econômicos das enchentes no Brasil ultrapassam bilhões de reais anualmente, e o investimento em infraestrutura resiliente e sustentável se torna urgente para reduzir esses custos.
Como ressaltam os especialistas, o planejamento urbano precisa pensar as cidades para o futuro, considerando a resiliência climática como um princípio básico dos projetos. Infraestruturas mal projetadas trazem impactos duradouros, e a modernização de sistemas antigos deve ser encarada como uma prioridade.
“Os desafios impostos pelos grandes volumes de chuva e pela frequência das enchentes colocam a engenharia e o planejamento urbano em um papel central na busca por soluções eficazes. A construção de cidades resilientes exige que gestores e profissionais da área invistam em infraestrutura adaptada ao novo cenário climático e que compreendam a importância da colaboração interdisciplinar”, afirma Cavazzana.
A experiência do Rio Grande do Sul e os exemplos de sucesso em países que adotaram o modelo de “cidades-esponja” mostram que a adaptação é possível e benéfica. Cabe agora aos engenheiros e gestores brasileiros adotarem uma postura preventiva e investir em soluções duradouras, capazes de transformar nossas cidades em ambientes mais seguros e preparados para enfrentar as adversidades climáticas que o futuro nos reserva.
Segurança das pessoas
Para Cavazzana, este contexto de mudanças climáticas, a segurança das pessoas por meio de Planos de Contingência elaborados através da Defesa Civil é de grande importância. Eles mostram ao poder público como agir em casos de rompimento de barragens, desbarrancamentos ou mesmo isolamentos populacionais, promovendo os suprimentos básicos às pessoas. Ainda, demostram diretrizes para a elaboração de projetos que contenham sistemas de prevenção para a proteção das pessoas em casos extremos, e não somente em termos da vertente de drenagem no saneamento, mas também para água de abastecimento, esgotos e resíduos sólidos, prevenindo a saúde das pessoas.
“Todo este complexo sistema tecnológico de saneamento tem atualmente um desafio a ser superado pelos profissionais de engenharia. Soma-se ainda a esses fatos, uma oportunidade de elaboração de políticas públicas de saneamento, como forma de otimização das cidades para serem sustentáveis e inteligentes, numa simbiose de conceitos futurísticos, mas que já vem sendo realidade de sucesso a quem vem avançando nas suas implantações, como, por exemplo, em São José dos Campos”, conclui Tarso Cavazzana.