A vida não é fácil, principalmente para quem a leva muito a sério. Ela deve ser vivida sem drama, com amor, solidariedade e gratidão. Como canta Zeca Pagodinho: "deixa a vida me levar".
E assim vou vivendo minhas horas, quando de repente a companheira Zilma, de Rotary, me telefona:
- Hélio, a Magaly Corrêa, viúva do Jorge Corrêa, aquele que é patrono de escola em Araçatuba, quer escrever um livro. Eu indiquei você para editá-lo.
- O quê? Ela está viva? - respondi imediatamente.
- Sim, com mais de 90 anos!
Fiquei pasmo ao telefone. Zilma insistiu, gritou alô. Pensei: "Acho que me esqueci de assinar o exame de segunda época!" - pensei. Leia mais à frente, você vai entender, caro leitor.
- Obrigado pela indicação. Mas você sabe, Zilma, Magali foi minha professora de Francês no IE?
Conversa vai, conversa vem. Após uma semana, estava eu, um sujeito idoso, na casa de Dona Magali, minha professora de ginásio. As pedras se encontram, bastam acompanhar a correnteza dos rios, não cair em poças.
Não é que aquela bela mestra continua bela! Você, caro leitor, veja a foto desta crônica, atual, sem maquiagem nem photoshop, registrada por um celular.
Fui aluno dela no ano após a morte de seu marido (1962), Jorge Corrêa. Eu, um garoto office boy, período noturno, morador do bairro Santana (equivalente ao bairro São José de hoje), que mal sabia o idioma português, fiquei de segunda época em Francês. Férias perdidas, janeiro todo estudando para o exame da segunda chance.
Em nossa atual conversa, Magaly Pedroso Corrêa me disse que não deixava ninguém de segunda época, mas eu fui exceção, devia ser ruim demais, não cumpria nem as exigências básicas.
Com a segunda época, tive que passar as férias inteiras com meu livro de Francês. Sem aulas de recuperação, abandonado à própria sorte, usando um dicionário emprestado. E minha mãe pegando no pé. Durante o dia trabalhava, à noite estudava para a segunda época, durante as férias escolares. Que castigo!
Saiu a data do exame de segunda época, fui vê-la nos murais da escola. E acabei aparecendo para fazer o exame no dia seguinte. Depois de tanto sacrifício, ser reprovado porque não compareceu ao exame... O diretor da escola, o ainda vivo Arthur Evangelista de Souza, me recebeu na sala dele, escutou minha conversa, deu alguns berros e marcou nova data. E o Consa passou para a terceira série ginasial.
A ironia de tudo isso, caro leitor, é que lecionei Francês, algumas aulas semanais, em Rosana-SP (1972), porque o distrito era tão longe e sem estradas pavimentadas que nenhum professor (ou professora) habilitado iria dar tais aulas. E eu estava lecionando Português. Então, fazendo um favor ao diretor, para não ficar sem aquelas aulas no currículo, baseado nos ensinamentos da Dona Magali e de uma coleção de discos da Editora Bloch (vendidos em bancas), ensinei Francês para quem não conhecia bem o português.
Como duas pedras, eu e a Dona Magaly (viúva até hoje) rolamos, seguimos o mesmo rio (educação), apenas os afluentes foram diferentes, e nos encontramos redondas, polidas, lustrosas, muito mais pedras de quando iniciamos rolar correnteza abaixo.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor
(Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação)