Antigamente, nos primórdios da humanidade, as pessoas moravam nas florestas e abrigavam-se nas cavernas. Na ausência destas, construíam as cabanas (as ocas dos índios, por exemplo). Nossas casas, às vezes, paupérrimas, outras, luxuosas, verdadeira mansões, são as antigas cavernas e cabanas. Tais moradias rústicas foram se agrupando, formando as tabas, hoje temos as metrópoles.
"Morar na casa dos outros" é uma expressão com sentido bem amplo, seria o mesmo que morar na casa da sogra. Muita gente teve tal experiência. Não se trata de uma boa coisa porque diz o ditado que "quem casa quer casa", nem que a hospitalidade seja da mãe de um dos cônjuges. O único aspecto positivo é a solidariedade familiar: aquele apoio para o casal que está começando a vida.
Morar é ter um domicílio, ter CEP, o primeiro sinal de cidadania. Quem mora na rua ou se hospeda aqui e ali, sem endereço certo, se tiver celular, tem como referência certa o número do telefone, e-mail e zap. Outro dia, me surpreendi numa loja de conserto de celulares com um mendigo querendo arrumar o seu, pois não podia ficar sem comunicação.
De um casal de velhos, morrendo um, o sobrevivente tem resistência em morar com algum filho, pois perde a liberdade, não quer morar na casa dos outros. Nas grandes cidades, há a residência coletiva de idosos e também os condomínios para essa faixa etária. Em tempos de aposentadorias, tais opções se tornam mais viáveis.
Alugar uma casa é também morar na casa dos outros por meio de contrato, vive se mudando. Ser parecido com o caramujo ou o jabuti que vive com a casa nas costas. Disso surgiu o sonho da casa própria, sem ficar mudando de endereço a toda hora. Meus pais foram assim, como reação, moro na mesma casa há 40 anos.
A população circense radicaliza tal conceito, pois se muda de casa, mas também acompanha o local de trabalho que não se fixa em lugar nenhum, nômade. Oferecer residência fixa para um artista de circo é falta de educação. É como oferecer carona a um andarilho à beira da rodovia.
Nestes dias, estive morando por uma semana numa casa alugada por aplicativo Airbnb. É como invadir a intimidade da família.
O morador deixou a casa montada, onde ele mora, foi visitar um parente, e me entregou as chaves por tantos dias para hospedar minha família-locatária (com filhos e netos). Uma casa objetiva. Havia um cômodo fechado, onde a família-locadora guardou a parte mais íntima. É morar mesmo na casa dos outros.
Eu inscrevi minha casa no aplicativo Airbnb, mas fiz isso com a certeza de que ninguém se interessaria de alugar minha casa por alguns dias, ela não fica à beira do rio Tietê. Não teria coragem, meu rancho tem todas as marcas da minha família. É subjetiva.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor
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