É possível um homem escrever sobre o Dia Internacional da Mulher sem ser hipócrita? A gente tenta, como macho em reconstrução, mas o aleijão sempre aparece.
Outro dia vi um carro fazendo uma barbaridade no pátio de um estacionamento de supermercado, esfolou-se numa placa de trânsito. Todos os curiosos queriam ver a cara do motorista barbeiro. Quando viram, disseram em uníssono:
- É uma mulher!
Inclusive as mulheres. Uma delas logo corrigiu:
- Mas não é por ser mulher!
- Claro que não. Eu sou homem e sou um motorista barbeiro - acrescentei elegantemente, mas é verdade. As mulheres presentes respiraram aliviadas. Mas uma delas não acreditou na minha sinceridade. Fazer o quê?
Você viu algum brasileiro, descendente de italiano, não ser pelo menos um machista disfarçado? Bolsonaro nem simulava.
Outro dia li a notícia: vereadora foi encontrada morta em Juazeiro do Norte, inclusive era presidenta da Câmara de Vereadores, médica, pessoa de bens, 29 anos. Linda!
Pensei comigo: "se for petista, foi assassinada por um bolsonarista". Não. Yanna Brena era filiada ao PL, partido do Bolsonaro. Então, suspeita-se de que a morte foi feminicídio, certamente o namorado (Rickson Pinto) a assassinou e em seguida suicidou-se. Tragédia grega.
As mulheres militantes de esquerda, algumas remanescentes com sovacos cabeludos, morrem de forma diferente das bolsonaristas, mas no fundo, por um motivo ou por outro, em ambos os casos, os assassinos são bolsonaristas. Matam por política ou por paixão. É muita violência. Foi difícil ser mulher com um presidente imbrochável.
A primeira orientação que me veio sobre a mulher como protagonista foi lendo um livro da Rose Marie Muraro, editora Vozes. Escritora brasileira que se dedicou às causas femininas. Foram meus primeiros passos de um rapaz cuja mãe teve quatro filhos homens. A falta de irmãs me dificultou muito em entender as mulheres.
As lições mais pesadas vieram com as mulheres petistas. Meu comitê eleitoral de 1988 era composto por mulheres. Um candidato a vereador, trabalhador, mecânico de bicicleta (falecido João Rodrigues), ex-morador do ABC, Lulista exacerbado, mandou fazer calendários de bolso com mulheres peladas com seu nome e número. O comitê se reuniu, tomou os calendários e rasgou:
- Quem é de esquerda não pode ser machista - discursava Marta Dourado.
Os machos arrepiaram, mas a ordem foi obedecida. A macheza estava mudando de lado.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor
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