Em 16 de março, há 50 anos, um rapaz de 24 anos, achando que a vida fosse uma estrada larga, até para contestar, encontrou a primeira barreira.
Já havia me tornado professor, estava gostando, mas eu e mais companheiros queríamos mesmo é mudar o mundo. A luz da descoberta de que ninguém é pobre por vontade de Deus precisava iluminar a estrada.
Descobri também que eu não era aquele menino tímido, com a cara cheia de espinhas. O professor que vinha brotando daquela pobreza seria protagonista na estrada da vida.
No dia 16 de março de 1973, eu viajava num ônibus da empresa Andorinha. Saía de Rosana (SP) e ia a Presidente Prudente comprar materiais escolares para os alunos carentes.
Ao sair, 20 km depois, o ônibus parou. A polícia o rodeou, o arsenal era pesado. Na porta, o policial perguntou:
- Quem é Hélio Consolaro?
Levantei-me, tremendo. Para quem havia acabado de ler a tríade Túneis da Liberdade, de Jorge Amado, sabia que a hora havia chegado. Descobriram a nossa chama interior.
O jovem professor estava preso. Silêncio no ônibus! Falar não devia. Era tempo de escuridão. Não podia assoviar “Pra dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré; nem “Apesar de Você”, de Chico Buarque.
Lembrei-me das palavras do saudoso padre José Sometti, vigário de Rosana: "Haverá momento que não há para onde correr, ninguém para ajudar, será você e Deus". O tal dia havia chegado. Isso foi há 50 anos, meio século: 1973-2023.
Não havia celular nem telefone fixo em Rosana (SP) daquela época, onde fui professor por cinco anos. Apenas um horário de ônibus, 200 km de terra entre o distrito e a cidade de Presidente Prudente, oito horas de viagem.
Os recados chegavam a cavalo. E ficamos sabendo (eu e o Tito Damazo) que professor Luís Basílio Rossi havia sido preso. Aprendi economia com ele, num curso de férias ministrado na UniToledo durante as férias. Um descendente de italiano, paranaense, casado com uma negra retinta, enfermeira padrão. A primeira lição que tive ao vivo contra o racismo.
Foi ele que ao ser torturado pelo do DOI-CODI, unidade da rua Tutoia, em São Paulo, declinou os nomes de seus pupilos. Num encontro que tive com ele depois, provocado por ele, pediu mil perdões por ter feito aquilo.
Respondi-lhe:
- Esqueça isso, eu não teria feito diferente na mesma situação. Aquele sofrimento foi um curso de pós-graduação. Lula é presidente reeleito. Isso foi no segundo mandato do petista.
Eu e o Tito fomos libertados depois de 30 dias de investigação. Mensalmente, íamos a Sampa para assinar o ponto, mostrar que não fugimos. Era uma espécie de tornozeleira eletrônica.
Professor Basílio foi morar no Carandiru, depois de libertado, morou no exterior, voltou com a anistia e ingressou no ensino
superior federal. Passou por vários estados brasileiros, ele e a Zezé.
Em janeiro deste ano (2023), Lula no terceiro mandato. Com quase 90 anos, Basílio resolveu descansar, missão cumprida. Recebi notícia de seu falecimento por sua filha. Luís Basílio Rossi deixou muitos ex-alunos, militantes políticos e amigos pesarosos.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor
(Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação)
