Fazendo consultoria de língua portuguesa, sempre digo que erra mais quem tem certeza, não vai ao dicionário (pai dos inteligentes), não se arrisca a ver uma gramática e nem procura um amigo para tirar as dúvidas na hora de escrever. A criatura não tem dúvidas, navega impoluta nas águas tranquilas de certezas.
Transferindo isso para outros campos da vida, quem tem certezas, até absolutas, não está aberta ao outro, não admite o contraditório, quer impor a sua verdade, vive fazendo catequese: "me obedece quem tiver juízo". Trata-se de uma pessoa intransigente, sistemática, tóxica. Com esse perfil nunca vai se tornar um líder, será sempre chefe, ditador.
Esse espírito não constrói a convivência e, por conseguinte, a democracia. Lembre-se da postura dos portugueses quando chegaram (e não descobriram) ao Brasil. Eles estavam certos e os índios errados. Nós já fomos bem piores, e dizem que melhoramos muito, mas quem acompanha a política brasileira discorda, alegando que a humanidade continua a mesma.
Jesus Cristo pregava contra as certezas judaicas, queria uma relação mais espontânea com Deus, na base do amor, sem as leis fixas que produziam a hipocrisia. Nem ele conseguiu, seus seguidores criaram uma igreja, escreveram uma doutrina, traíram seus ensinamentos. Parece que diante da pequenez humana, tudo se transforma em mediocridade.
As pessoas precisam correr atrás de alguma certeza, crer cegamente em alguém, quando a melhor atitude é o ceticismo, ter o senso crítico desenvolvido.
Junto com a certeza vem a segurança. Vivemos num planeta que flutua no espaço com movimentos regulares. O lugar de maior segurança no mundo é o útero, nem lá é total porque a mãe vive em insegurança constante. Dentre nós, ninguém está salvo, quem promete a salvação diante do pagamento do dízimo é um mentiroso. Se há alguma coisa que as religiões podem pregar é a fraternidade, o amor, a solidariedade, nosso bom relacionamento.
Não viajo na nave das certezas, elas não me encantam. Deus existe, eu sei, porque ele é meu amigo, é o cara com quem converso todos os dias. Sou pretensioso? Claro, dizem por aí que o ser humano é sua imagem e semelhança. Dessa certeza ainda não me libertei.
Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor
