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Todos os dias meu despertador toca, acordo, levanto e agradeço a Deus por estar mais um dia respirando, vivo e com saúde. Saúde mais do que nunca é o bem mais valioso no meio deste momento histórico que é escrito em linhas desconhecidas. No meio desta história triste os desenhos são traçados com riscos de tinta diluída nas lágrimas, quando feitos por aquelas mais de cem mil famílias brasileiras que não velaram seus entes amados, todavia tiveram que sepultá-los.
Levanto com uma saudade imensa que aperta o peito, saudade da minha família, pois tenho exercitado, mais do que nunca o amor, e gesto de amor neste momento é ter a compaixão e saber que ser carinhoso é não tocar em quem queremos abraçar... O despertador toca porque mesmo trabalhando remotamente, a carga de trabalho pesa sobre os ombros dos profissionais de educação: são documentos, roteiros de estudos, correções, livros, cadernos, fotografias, vídeos, reuniões on-line, arquivos e mais arquivos digitais. Talvez quem não seja da educação, não tenha a noção do aparato que um professor hoje usa para conseguir levar até seus alunos o máximo diante do mínimo esperado, naquilo que foi planejado para 2020.
Levanto quando o despertador toca, com uma saudade imensa de calçar os meus sapatos e andar até uma das unidades escolares onde leciono, levanto fazendo listas de coisas que preciso finalizar, que preciso resolver, que preciso enviar, que preciso corrigir, que preciso elaborar e que preciso responder... Outras vezes, quando penso que levantei, já passou da hora de me deitar, parece que tudo duplicou, triplicou... E ainda vemos, ouvimos ou lemos “de casa nada estão fazendo”, “se estão aprendendo de casa então irão me pagar o salário do professor?” São tantos os julgamentos que nascem das pessoas rudes, daquelas que se banham de ignorância e fazem questão de expor seu desconhecimento como se isso fosse um troféu.
É mais fácil estar e ser professor presencialmente, até porque não somos e fomos preparados para tudo isso, não nos equiparam, não nos deram os meios.... Então não seria melhor que todos os professores fizessem juntos um coro de “Vamos voltar logo às aulas presenciais? ”. Se quisermos engrossar o coro da ignorância, da individualidade, talvez até, seria melhor, contudo eu não sou apenas um profissional qualquer – eu sou professor! Eu tenho um dever, não só com a minha vida, mas com a vida de centenas de pessoas, além daquelas que são pessoas adultas, sou responsável por aquelas que ainda estão em formação, eu sou um profissional que ensina a viver e não a morrer!
Atualmente, mesmo fugindo do noticiário é impossível não tomar conhecimento e não se compadecer junto com aqueles que choram. Mesmo que algumas pessoas estejam normalizando o que não é normal, não se pode fugir da realidade. Os idosos estão morrendo, os jovens estão morrendo, autoridades estão morrendo e mesmo que, pouco ainda se fale, crianças estão morrendo... sejamos todos realistas, mesmo que as aulas voltem em outubro, teremos dois meses, no máximo dois e meio. Nenhuma criança irá morrer por deixar de ir até a escola nestes últimos meses do ano, mas se uma..., repito..., se uma delas morrer, morremos um pouquinho mais enquanto humanidade. Temos que ser escola neste momento e não querer ir à escola. Ser neste momento é mais importante que estar no prédio.
Aos que querem o retorno ao prédio, seja lá por qual motivo os movem a acreditar que perder algumas centenas ou milhares de pequenas vidas é mais insignificante do que perder algumas aulas, lamento por vocês! Mesmo que vocês tenham uma “pandemia de argumentos”, eu não preciso dos seus argumentos, eu preciso ver o sorriso das minhas crianças, e para isso elas precisam estar vivas e saudáveis, suas famílias completas e mesmo que isso demore um pouco mais, triste será retornar e ter uma carteira vazia, sabendo que uma pequena vida fora ceifada porque nosso desprezo pela vida nos tornara imprudentes…
Se depender deste professor, eu continuarei carregando o peso que o trabalho remoto trouxe, mas não gostaria de estar no lugar daqueles que terão que carregar o peso de ter decidido que as crianças merecem algumas aulas a mais no prédio da escola, mesmo que isso custe algumas vidas a menos.
* João Carlos Rodrigues é publicitário, professor e artista.