Em liberdade desde março deste ano, o ex-policial Vinícius de Oliveira Coradim Alcântara, 23 anos, tenta retomar a vida em cidade longe de Araçatuba e trabalhando como motorista. A informação é do advogado dele, Nilton Vivan Nunes, que, nesta terça-feira (06), em apreciação de recursos pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), conseguiu evitar que o militar fosse submetido a um novo julgamento e ainda que sua pena, pela morte do jovem Diogo Belentani, 21 anos, fosse reduzida.
Condenado a 9 anos e 6 meses de reclusão em juri realizado no Fórum de Araçatuba em 7 de novembro de 2018, com sentença proferida pelo juiz Henrique de Castilho Jacinto, da 1ª Vara de Execuções Criminais e Anexo do Júri, Vinícius está em liberdade por decisão judicial de 11 de março deste ano e assim continuará após o caso em que figura como réu ter sido apreciado pelo TJ-SP na tarde desta terça-feira.
Por unanimidade, a Corte apreciou dois recursos referentes ao julgamento realizado em Araçatuba e em ambos decidiu favorável ao ex-policial, que teve a pena imposta em primeira instância diminuída para 7 anos e 8 meses.
Os recursos apreciados pelo TJ-SP foram apresentados pelo Ministério Público e pela própria defesa de Vinícius. No primeiro deles, o promotor criminal araçatubense, Adelmo Pinho, responsável por denunciar o réu pela morte do estudante Diogo Belentani, 21 anos, ocorrida em 15 de julho de 2017, em uma chácara na rua Baguaçu, apresentou argumentos e pediu que o condenado fosse novamente julgado. Já o advogado do réu pediu a redução da pena imposta ao ex-policial, o que foi acolhido pelo Tribunal.
SUSPEIÇÃO DE JURADOS
De acordo com voto do desembargador Leme Garcia, relator no Tribunal de Justiça dos recursos referentes ao chamado “Caso Belentani”, o MP em Araçatuba ingressou com recurso após ter conhecimento, dias o julgamento e dentro do prazo recursal, de que dois integrantes do júri, que decidiram sobre o caso, poderiam ter decidido de forma suspeita por supostos vínculos com familiares do ex-policial.
Num dos casos, um dos integrantes do Conselho de Sentença (como é chamado o grupo de julgadores populares) foi acusado de possuir “amizade íntima com o réu e sua família”. Fato que teria “comprometido sua imparcialidade” ao proferir voto no dia do julgamento de Vinícius.
Para comprovar tal relação, foi apresentada como prova confirmação de amizade em uma rede social entre o jurado e um tio-avô do réu. Mais que isso, o MP recorreu com base em alegações de duas mulheres, ligadas à família da vítima. Uma delas afirmou ter visto, no dia do júri, esse mesmo integrante do Conselho de Sentença fazendo um aceno com a mão ao referido parente de Vinícius e o mesmo correspondido positivamente por meio de sinal com a cabeça.
A outra mulher, conforme o voto apreciado pelo TJ-SP, afirmou ao MP de Araçatuba que o jurado em questão possuía “estreitos laços pessoais e de trabalho com a família do réu”. Conclusão baseada no fato de tanto o julgador quanto o tio-avô do réu serem funcionários da Prefeitura de Araçatuba.
A segunda suspeição sobre jurado que participou do julgamento de Vinícius foi levantada por uma mulher integrante do próprio conselho de sentença. Ela teria revelado ao MP que, em 7 de novembro de 2018, após cessada a incomunicabilidade dos jurados, um julgador teria lhe dito que (também) trabalhava na Prefeitura e que conhecia as famílias tanto do acusado quanto da vítima, razão pela qual “não queria se envolver nos fatos”, conforme consta nos autos processuais.
O jurado, assim como o primeiro colocado em suspeição, também funcionário público municipal, teria mencionado à “colega” de julgamento que “muitos dos familiares do réu são policiais e que ambas as famílias sabiam onde ele morava, demonstrando e causando-lhe medo”.
INCONSISTÊNCIAS PARA ANULAÇÃO
Em seu voto, o relator dos recursos, no que se refere a acusações feitas contra dois jurados que participaram do julgamento de Vinícios de Oliveira Coradim Alcântara, deixa claro não ter visualizado consistência suficiente para anular o júri realizado em novembro do ano passado e determinar uma nova apreciação do caso em primeira instância.
Sobre uma eventual amizade de um dos jurados com o tio-avô de Vinícius, o desembargador afirma que tal relação não consta do rol de impedimentos previstos no Código de Processo Penal. Ele afirma que as mulheres que levantaram tal suspeição contra o julgador agiram por “interesse direto em resultado mais penoso ao réu, o que acaba por tornar questionável a fidedignidade de suas declarações”.
No caso das mulheres que levantaram suspeitas sobre a relação entre um jurado eu tio-avô do réu, o magistrado do TJ-SP destaca que uma delas era tia da vítima, o jovem Diogo Belentani, e que a outra possui vínculos de amizade com familiares do mesmo.
O relator Leme Garcia destaca que a amizade, na rede social Facebook, entre um dos jurados e o tio de Vinícius não é suficiente para levar a Justiça a determinar novo julgamento. “Ambos possuem milhares de contatos naquela rede social e, ao contrário do que ocorre com as senhoras, comprovadamente envolvidas na causa, não há sequer uma mensagem trocada entre eles ou qualquer manifestação pública do jurado com relação ao lamentável episódio de que trata os autos”, destaca o desembargador em trecho do seu voto.
A respeito do outro jurado, que, segundo uma “colega” de julgamento, “não queria se envolver nos fatos”, a descontextualizada afirmação por ela proferida não tem o “condão de induzir, de forma automática, a conclusão de nulidade por parcialidade de seu julgamento. No entendimento do magistrado, a fala do julgador poderia levar a “inúmeras interpretações”, observando que o mesmo não foi alvo de nenhuma oitiva para prestar explicações ao MP sobre referida manifestação.
COMO ACONTECEU O CRIME
O estudante Diogo Belentani foi morto com um tiro no peito em 15 de julho de 2017, no início da noite, após ter passado a tarde daquele dia na chácara dos avós de Coradim Alcântara, na rua Baguaçu.
O policial e o estudante, conforme apurou o Ministério Público e indicaram as investigações policiais, acabaram discutindo por causa de uma garota que mantinha um relacionamento amoroso com o acusado e a vítima, de forma simultânea e sem que ambos soubessem.
Conforme o promotor Adelmo Pinho, as informações e relatos do próprio réu obtidos durante todo procedimento de instrução processual deixaram claro que na data do crime o policial militar, em um determinado momento do dia, usou sua arma de serviço para efetuar um disparo aleatoriamente na chácara onde os dois estavam. À noite, Coradim Alcântara veio a atirar contra o estudante, após uma discussão, e posteriormente fraudar a cena do crime, colocando a arma na mão da vítima, enquanto ainda estava no chão e antes mesmo de receber qualquer tipo de socorro.
Mesmo alegando não ter tido a intenção de matar Diogo Belentani – tese usada pela defesa para desqualificar a ação do réu –, o policial militar disse em depoimento que sua arma estava nas mãos do estudante e que após retirá-la da vítima, ele se colocou em posição de tiro. No entanto, o disparo, neste momento, teria ocorrido acidentalmente.
DESQUALIFICAÇÃO POR 4 A 3
O réu acabou respondendo por três crimes: homicídio, tiro aleatório de arma de fogo e fraude processual. Infrações que poderiam render uma punição de até 38 anos se o júri tivesse levado em consideração todas as qualificações apresentadas pelo MP.
O fator primordial para a reviravolta na previsão do tempo de condenação foi a desqualificação, por votação dos sete jurados escolhidos para decidir sobre o caso, da acusação de homicídio doloso para culposo. Por 4 votos a 3, o entendimento foi de que Vinícius, apesar de ter efetuado o disparo, não teve a intenção de matar o amigo.
É PRECISO SEGUIR
Nesta quarta-feira (07), o advogado Ninton Vivan Nunes falou ao site 018 News sobre o julgamento dos recursos pelo TJ-SP, na tarde de terça-feira, e confirmou que seu cliente está em liberdade e assim continuará, uma vez que ele permaneceu preso desde a morte do estudante Diogo Belentani até março deste ano, tendo cumprido um sexto da condenação em regime fechado, o que, pela sentença imposta pela Justiça de Araçatuba em novembro de 2018, o assegurava o direito de progressão do regime prisional.
“Ele está em liberdade, tocando a vida dele em uma outra cidade. O orientei a não ficar em Araçatuba para evitar eventuais encontros com familiares e amigos do estudante, com quem também tinha amizade. Ele vive em um outro lugar que não estou autorizado a dizer qual é, mas está tentando seguir com sua vida e trabalhando como motorista”, diz o advogado.
O defensor, ao falar sobre as vitórias que obteve no caso, disse tratar com respeito as posições de parentes e amigos da vítima Diogo Belentani. “Apesar da tristeza, nada vai trazer o menino de volta. Então, eu, como pai, penso que, apesar de todas as dificuldades, é preciso que os que foram afetados por este caso, peçam forças a Deus para continuar a caminhada. Nem que o Vinícius fosse condenado a 10, 15 ou 30 anos pelo ocorrido, nada traria a felicidade de volta a quem perdeu o ente querido.
Ainda sobre seu cliente, o advogado disse que Vinícius, antes do julgamento em Araçatuba, pediu baixa do cargo de policial militar. Com a redução da sua pena pelo TJ-SP, ele terá, pelo prazo de seis anos, que comparecer a cada dois meses ao fórum da localidade onde mora para comprovar que está no país e que está cumprindo as obrigações que lhe foram impostas. “Até porque, ele só vai ficar livre de fato quando se esgotar essa condenação de 7 anos e 8 meses. As pessoas pensam que ele está livre de tudo que aconteceu. Pelo contrário, ele tem uma condenação a cumprir em liberdade, que é uma das possibilidades previstas em lei”, explica o advogado.