Araçatuba tem um novo milionário, sozinho, apostando R$ 4,50, ganhou metade da Mega-Sena, enquanto um grupo de Brasília ganhou a outra metade.
O milionário interiorano pode ser o meu vizinho. Não pode ser. Não vi nenhuma manifestação de alegria, nem contida, no meu quarteirão.
Quem ganhou, se já sabe disso, deve ser um sujeito que gosta de dinheiro e acredita em Papai Noel. Não é como este cronista que não joga em loteria por medo de ficar rico e apenas trocar as características dos seus problemas.
O contemplado deve ter conferido as dezenas: 01-07-10-12-33-42. Talvez jogue nelas há anos, insistente: numa hora, vai dar. E deu! É impossível que não tenha conferido o resultado, depois de ficar na fila da lotérica para jogar.
Não sei se evangélico joga na loteria. Se for e a igreja permite, vai logo contar para o pastor a sua sorte, deixará um gordo dízimo. Se não tomar cuidado, depois de várias mordidas, o novo rico não terá mais dinheiro.
Será que o sortudo lutou muito para receber o auxílio emergencial de R$ 600,00 naquela agência “desgraçada” da Caixa Econômica Federal... Chegou a prometer num rosnar: "um dia volto aqui em melhores condições". E voltou.
Agora, ele vai falar, cheio de panca, com o gerente:
- Boa tarde!
E se senta sob o olhar contrariado dos funcionários naquele sofá macio. O gerente fez um perfil da criatura e respondeu:
- Auxílio emergencial é do outro lado...
O contemplado se atreve (não faria isso nunca antes, pois tinha um medonho complexo de inferioridade) a cochichar algo no ouvido do gerente, que se espalha em alegria e puxa-saquismo.
- Parabéns! Agora o senhor passou do outro lado! Vamos investir isso, temos muitas opções!!!
Talvez o contemplado com a Mega-Sena esteja carregado de dívidas. Brasileiro sem dívida é raro. Dessa vez, ele vai limpar o seu nome na praça, deixando os credores contentíssimos.
Ou então o araçatubense sortudo que empurra um carrinho da Acrepom, recolhendo lixo reciclável pelas ruas da cidade. Agora, com tanto dinheiro, vai comprar uma camionete para fazer o serviço. Um ganhador sem horizontes.
Seja lá quem for o premiado, vai realizar alguns sonhos, resolver as demandas familiares. Como foi um dinheiro ganho com facilidade, poderá gastá-lo rapidinho. Pobre quando ganha muito dinheiro de repente (leia histórias de jogador de futebol), não tem prática em administrar bens, perdê-lo é a coisa mais fácil do mundo.
A melhor vida é construída com dignidade, o suficiente para viver sem esmolar ou esnobar. "Aurea mediocritas", escreveu Horácio, poeta romano. Isso se constrói na luta pessoal e na luta política.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP