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Alvo de inquérito em procedimento no Ministério Público de Araçatuba, a compra de livros realizada pela Prefeitura no final de 2017 – pela quantia de R$ 1.795.450,00 – pode render fortes dores de cabeça à administração municipal se, durante a investigação do caso, a Promotoria constatar, entre alguns fatores que colocam a aquisição sob uma série de dúvidas, que alunos da rede municipal de ensino e professores receberam materiais “velhos” ou pelo menos “desatualizados”.
O Araçatuba e Região teve acesso a um dos kits de livros, jogos e dicionários comprados pela Prefeitura da Brasil Sustentável Editora, em dezembro de 2017, após a secretária da Educação, Silvana de Sousa e Souza, ter recebido um ofício da empresa, no mês de outubro, com uma espécie de orçamento sobre o material – o documento consta em representação feita ao MP pelo advogado Lindemberg Melo Gonçalves – e encontrou problemas na aquisição.
Na análise feita no material, é possível constatar que, em pelo menos três livros, há informações informações distorcidas ou desatualizadas, e que também dão a impressão de que os mesmos foram impressos, às pressas, para atender à venda milionária feita à Prefeitura e sem a realização de licitação.
No livro que trata da questão “meio ambiente e esportes”, é possível observar que ele foi editado em 2013 e que, pelo menos no material entregue à Prefeitura de Araçatuba, consta uma possível impressão no ano de 2017.
Não bastasse essa estranheza, o livro chama atenção quando observadas as páginas 20 e 21. Na primeira delas, consta a informação de que o Brasil realizou no ano de 2014 a Copa do Mundo. Logo na sequência, na página 21, vem a informação de que o Brasil ainda vai realizar a mesma Copa do Mundo no referido ano e que o Olimpíadas ainda ocorrerão em 2016.
Outra observação diz respeito a dois livros que tratam da questão do mosquito Aedes aegypti. Em período de plena campanha por todo o País, promovida por governos estaduais, União e municípios para vacinação dos habitantes de cada cidade, as duas publicações tratam o referido mosquito apenas como transmissor de dengue, zika e chikungunya.
Em nenhum momento, as publicações ensinam que o mesmo vetor também é transmissor da febre amarela urbana, doença que matou pessoas no Brasil, em especial nos anos de 2017 e 2018, anos em que os kits da Brasil Sustentável Editora foram, coincidentemente, vendidos e entregues à Prefeitura.
O dicionário "O ser humano e o meio ambiente de A a Z" é outro material que chama atenção. Ele foi produzido com base em 73 publicações, conforme a bibliografia anexa, e mais 45 sites, inclusive de jornais. E contém informações que não são exclusivas, que podem facilmente ser encontradas em simples buscas na internet. Ainda sobre o dicionário, ele traz significados para uma série de palavras e siglas de entidades ou organismos que geram estranheza.
O material em questão traduz, por exemplo, a sigla ABNT (Associação Brasileira de Normas técnicas), informação que pode ser encontrada em outros materiais, não necessariamente num produto sobre "sustentabilidade e meio ambiente". Entre outras definições, consta uma que informa erradamente. Ela ensina o significado de Ação Civil Pública, com conotação apenas para a questão ambiental e sem informar que não apenas entidades mas qualquer cidadão pode ingressar com uma Ação Civil Pública para defender aquilo que acha que lhe é de direito.
Sobre a palavra acéfalo, mais um exemplo, o significado é apenas de que se trata de algo "que não tem cabeça", quando na verdade é algo que pode não ter partes da cabeça ou inteligência. É um exemplo que também demonstra desatualização do material, que, pelo que consta em suas informações, foi editado no ano de 2010.
NÃO ERA EXCLUSIVIDADE?
Mas um fator que além de atenção causa intriga está no fato de a Brasil Sustentável ter sido contratada, sem licitação, para o fornecimento de um material que seria de sua exclusiva autoria, conforme o município faz questão de dizer que foi atestado pela Câmara Brasileiro do Livro.
Ocorre que, de 15 itens que compõem os kits adquiridos pela Prefeitura de Araçatuba, ao menos dois foram editados por outra empresa e não a Brasil Sustentável Editora. No caso, o jogo “Ludoecologia” e o livro “Jardinagem e Ervas Medicinais para Crianças” são produtos da Meca Editora Ltda.
Situação que, para Lindemberg, na condição de autor de representação que tramita no MP, descaracteriza a inexigibilidade da licitação, como procedeu a administração municipal em sua compra. “Se a empresa vendeu um material e entregou produto de outra editora está evidente que ela não tem a exclusividade daquele material. Isso, por si só, já desqualifica todo o processo e evidencia indícios de ilegalidade na contratação, lembrando que ela foi feita sem licitação e de forma relâmpago, entre os meses de outubro e dezembro”, diz o advogado.
TUDO CERTO?
Em recente entrevista a uma emissora de rádio de Araçatuba, a secretária de Educação, Silvana de Souza e Souza afirmou categoricamente que a compra estava dentro da mais legítima legalidade. Ela disse que, apesar de ser um direito de qualquer cidadão questionar atos da administração municipal, que a representação que levou o MP a abrir investigação, se tratava de obra de pessoas com “interesses escusos”.
Questionada na semana passada sobre os problemas encontrados no material adquirido, a Prefeitura sequer se manifestou. O mesmo, até a publicação desta reportagem, ocorreu com a empresa Brasil Sustentável, que pediu e-mail com as perguntas mas que também não as respondeu.