Entre os pacientes que aguardavam em fila de transplante que receberam os órgãos captados do jovem de 20 anos, esta semana, na Santa Casa de Araçatuba, estava a pespontadeira Graziele Furquim do Amaral de Farias, de 37 anos, mãe do garoto que teve morte encefálica após um acidente de moto durante a madrugada do primeiro dia de 2023, em Birigui.
Graziele, doente renal crônica, após sequência de crises de hipertensão, era uma das pacientes que pelo menos três vezes por semana tinha de passar por sessões de hemodiálise, no Hospital do Rim da Santa Casa de Araçatuba.
No dia em que ficou sabendo que o quadro de saúde do filho era irreversível, havia acabado de passar por uma destas sessões. Mesmo muito abalada, sem almejar ser uma das receptoras, não hesitou em tomar a decisão e autorizar que fosse feito o processo de captação, para que muitas vidas pudessem ser salvas.
A partir desta tomada de decisão, começou então uma verdadeira corrida contra o tempo para a família que mora no bairro São Brás, em Birigui.
Enquanto equipes de quatro hospitais diferentes desembarcavam na Santa Casa local para iniciar o procedimento cirúrgico de captação dos órgãos, Graziele embarcava para Botucatu, para finalizar bateria de exames que a credenciaria como uma das receptoras, a partir do gesto de solidariedade tomado por ela mesma, ainda em Araçatuba.
No procedimento cirúrgico na Santa Casa, realizado na quarta-feira (04), foram captados pulmões (Incor/SP), fígado (Hospital Unimed de Sorocaba que presta serviço para transplantes em pacientes do SUS) rins, coração para retirada de válvulas e córneas (Hospital de Base de São José do Rio Preto) e tecido ósseo (equipe do Banco de Ossos de Marilia).
Além de Kauan, de 20 anos, a pespontadeira também é mãe de Yasmim, de apenas 8 anos. Além da insuficiência renal, ela também teve perda da visão.
Em conversa com a reportagem do 018 NEWS na manhã desta sexta-feira (06), momentos antes de embarcar para Botucatu, onde encontraria com a irmã que se recupera do processo cirúrgico, a comerciante Nayara Furquim do Amaral, contou que uma das metas de vida do sobrinho era contribuir com o restabelecimento da saúde de sua mãe.
“Ele sempre foi um menino muito dedicado a família e, desde 2018, quando minha irmã passou a sentir as limitações da doença, ele assumiu a família. Trabalhava da maneira que conseguia e sempre acompanhava a mãe no doloroso tratamento que teve de passar a se submeter”, contou Nayara.
Nayara recordou que na noite do acidente, Kauan ainda reforçou que de alguma maneira ele prometia que mudaria a triste realidade que a mãe vivia. “Ele jantou com a família, esteve conosco, antes de sair para encontrar amigos”, recordou emocionada.
PROCEDIMENTO
Graziele passou pelo transplante ontem (05). Foram mais de seis horas de cirurgia. Agora ela se recupera na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e espera ansiosa para ser transferida para um leito comum e posteriormente deixar o hospital.
“Vivemos um misto de tristeza pela partida e orgulho do nosso menino e, minha irmã que já demonstrava cansaço com sua condição, agora já fala que precisa viver pelo filho que também vive nela”, revelou Nayara.
A comerciante contou que os médicos chegaram a comentar que o grau de compatibilidade do órgão impressionou toda a equipe. Graziele já havia passado por exames duas vezes para receber um rim novo, mas não houve compatibilidade.
Muito debilitada, havia perdido a esperança de uma nova oportunidade.
“Mas o momento agora é de fé e esperança, porque livre das máquinas, ela terá a oportunidade de viver um novo tempo como Kauan queria”, acredita a comerciante.
DIFICULDADE
Nayara revelou que a situação financeira de sua irmã é muito difícil. Aposentada devido a doença e devido aos mais de cinco anos enfrentando o problema de saúde, acabou acumulando muitas dívidas. Kauan, foi quem assumiu a casa, no início da adolescência.
Entre as metas de vida do jovem era chegar aos 25 anos, idade permitida pela legislação, para doar um dos rins para a própria mãe.
Nayara contou que apesar da vida de responsabilidades o sobrinho era um jovem como outro qualquer de sua idade. Seu sonho era ser um skatista famoso. “Ele sempre usava a frase ‘o pai vai ser famoso’, para falar de sua vontade. Mas agora virou o nosso herói”, completou em extrema emoção.