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TRAGÉDIA NA AVENIDA BRASÍLIA MP alega contradição de juiz e pede anulação de pena do 'Caso Mustang'

Promotor diz que decisão sobre eventual dolo de empresário em acidente deveria ser tomada por Júri

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A Promotoria Criminal de Araçatuba apelou, nesta terça-feira (14), contra decisão da Justiça local que, em 29 de novembro do ano passado, condenou o empresário Luciano Justo a pena de três anos de detenção em regime aberto, pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor. Ele foi acusado de conduzir um Mustang em alta velocidade e matar o comerciante Alcides José Domingues, de 69 anos, que dirigia um Toyota Corolla, em acidente ocorrido no final da tarde do dia 12 de março de 2016, na avenida Brasília.

Na apelação, o promotor criminal Adelmo Pinho, na condição de representante do Ministério Público na denúncia oferecida à Justiça contra o empresário, questiona posicionamentos que avalia como contradições do juiz Wellington José Prates, responsável pela 2ª Vara Criminal da Justiça local, ao apreciar e sentenciar o caso.

Em síntese, Adelmo Pinho, em 51 páginas de apelação, indica que o magistrado teria ignorado jurisprudências já consolidadas na Justiça nacional ao decidir sozinho que Luciano Justo não teria cometido dolo eventual ao conduzir veículo em velocidade acima da permitida para a avenida Brasília, após consumir bebida alcoólica durante aquele dia em um estabelecimento comercial existente na mesma via.

DECISÃO ISOLADA, SEM CONSELHO

Na apelação, o representante do MP deixa claro que o juiz da 2ª Vara tomou decisão sobre o dolo eventual, que é quando um acusado assume riscos decorrentes de seus atos, quando a mesma deveria se dar pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri local. Por conta disso, Adelmo Pinho pede ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) que a sentença proferida sobre o caso seja integralmente anulada, sendo o processo, com as devidas provas juntadas, submetido a nova apreciação.

Em sua apelação, o promotor faz referências a posições distintas tomadas pelo magistrado responsável pelo caso quanto à apreensão do veículo Mustang conduzido por Luciano Justo, assim quanto à velocidade estimada de 140 km/h, à qual o veículo era conduzido conforme laudo pericial, em via cujo máximo permitido é de apenas 60 km/h.

O representante do MP também questiona as decisões do magistrado responsável pelo caso com relação ao envolvimento de outras três pessoas em fraude processual, mediante subtração de equipamento existente no Mustang que aumentaria sua potência. Tal equipamento teria sido retirado do veículo quando o mesmo estava em um pátio da cidade, apreendido, conforme entende o promotor criminal.

“Ao absolver todos os réus do crime de fraude processual e ao desclassificar a conduta do réu Luciano para o crime de homicídio culposo na condução de veículo automotor, o magistrado local não agiu com acerto, ao contrário, desta vez deixou de aplicar a lei”, observa Adelmo Pinho em sua Apelação.

A EXISTÊNCIA DO DOLO

O promotor faz ponderações sobre provas que indicariam, na sua interpretação, a existência de dolo eventual nas condutas de Luciano Justo, que resultaram na morte do comerciante Alcides José Domingues.

“O cerne da discussão enfoca na conduta praticada pelo apelado Luciano Justo, isto é, se ela consistiu em dolo eventual ou em culpa consciente. Porém, tal análise cabe ao Conselho de Sentença, que possui atribuição constitucional para tanto. Infelizmente, no caso em apreço, ao proferir a sentença, o magistrado antecipou-se indevidamente no mérito da causa e ceifou por completo o princípio constitucional da soberania dos veredictos ao impedir que o Conselho de Sentença, órgão competente, analise e julgue os fatos. Por ocasião de sua decisão, o juízo entendeu tratar-se de culpa consciente”, diz Adelmo em trecho de sua apelação.

O promotor destaca em sua apelação as fundamentações do juiz que sentenciou o caso. “Analisou inicialmente, e de forma isolada, a questão da embriaguez, dizendo haver provas de que o apelado consumiu bebidas alcoólicas durante o dia, mas que, ‘tal circunstância por si só não demonstra o necessário dolo eventual na conduta, mas sim a culpa consciente’. Encerrou o raciocínio afirmando que deve ser afastada a perigosa e objetiva fórmula de que ‘acidente de trânsito + embriaguez = dolo eventual”, observa Adelmo. “Já em um segundo momento, enfrentou, também de forma isolada, a questão da velocidade do veículo empregada pelo recorrido, afirmando que as provas confirmaram que Luciano estava em velocidade incompatível com o limite legal da via, além de os próprios danos causados nos veículos indicarem o excesso de velocidade. Ao final, concluiu que ‘age com culpa o motorista que trafega em excesso de velocidade’. Contudo, essa análise feita pelo magistrado no presente caso não é adequada, uma vez que deveria ter avaliado as várias circunstâncias do crime (local, horário, etc.) de forma conjunta, e não de forma isolada e fracionada.

Isso porque um exame global de todos os fatores é que vai permitir aferir culpa ou dolo.”

CONFIGURADO EM PROVAS

Para o representante do MP, o dolo eventual – risco de cometer alguma infração – por parte de Luciano Justo está claramente demonstrado em provas e testemunhos contidos no processo. Inclusive no que se refere à quantidade de bebida alcoólica que teria sido consumida prelo empresário antes de se envolver no acidente.

“Com relação à embriaguez, a nota fiscal comprova que o acusado Luciano gastou no referido estabelecimento comercial a importância de R$ 504,40 (quinhentos e quatro reais e quarenta centavos), referente ao preço de 56 chopes, 03 cervejas, 02 sucos, 01 refrigerante e 04 porções (03 de carne e 01 de linguiça)”, destaca o representante do MP. “No que se refere ao excesso de velocidade, os laudos apontam que a Avenida Brasília possui velocidade máxima permitida de 60 km/h, ao passo que a velocidade que o réu transitava com seu veículo Mustang era de aproximadamente 140 Km/h, conforme cálculos efetuados pela perita criminal a partir do registro de imagens de câmeras de segurança no Auto Posto Apolo, que captaram a trajetória do veículo até o instante da colisão. Além disso, diversas testemunhas também confirmaram judicialmente que o réu Luciano conduzia seu veículo pela avenida em altíssima velocidade”.

Informações que, para Adelmo Pinho, colocam os posicionamentos do juiz responsável pelo caso em contradição. “Nesse ponto, a decisão impugnada se mostrou totalmente contraditória, já que reconheceu efetivamente o excesso de velocidade empregado pelo apelado, inclusive afirmando que ‘sem qualquer sombra de dúvidas, se o Ford Mustang, veículo seminovo e em perfeitas condições de funcionamento, estivesse trafegando em velocidade compatível com o local, 60 km/h, o denunciado teria boas chances de evitar o embate, ou quiçá as consequência danosas do choque’, porém, acabou por também ‘responsabilizar’ a vítima pelo infortúnio, ao afirmar que ‘não sendo menos certo que a vítima, dirigindo o Corolla, ingressou no cruzamento inadvertidamente, ocorrendo o choque entre os veículos”.

MATERIALIDADE

Ao final de sua apelação, o promotor criminal faz referências e comparações sobre posicionamentos da Justiça local no que se refere à participação de três pessoas que ajudaram o empresário Luciano Justo a também cometer fraude processual decorrente da subtração de equipamento existente no Mustang, assim em condutas que causaram confusão no decorrer da apreciação do caso.

Ele encerra o recurso pedindo que a decisão da 2ª Vara Criminal de Araçatuba, que condenou Luciano Justo a pena de três anos em regime aberto, por ação culposa consciente, seja totalmente reformada. Em especial no que se refere à avaliação, pelo Tribunal do Júri em Araçatuba, se o empresário assumiu ou não o risco de matar, no caso, ao dirigir um veículo em alta velocidade por uma das principais vias da cidade, após fazer o consumo de bebida alcoólica.

“Em síntese, estando comprovadas a materialidade e a autoria criminosa, a pronúncia é de rigor para que o mérito da causa seja julgado pelo Tribunal do Júri, único constitucionalmente competente. Por fim, consigno que o entendimento adotado pelo magistrado na decisão ora impugnada quanto ao delito de homicídio, contrasta com o princípio da proporcionalidade na aplicação da pena. Isso porque a reprimenda deve guardar consonância ou se adequar às circunstâncias e à gravidade do crime. Todavia, neste caso, por ora, deixou de sê-lo.

Para o promotor, se a decisão sobre o caso ficar como está, o empresário e demais processados pelo ocorrido em 12 de março de 2016, não terão punição digna perante a sociedade. “Não haverá repressão à conduta criminosa do apelado Luciano Justo e dos demais apelados se a sentença em foco for mantida. Tal decisão irradiou na sociedade um sentimento geral de impunidade e de que a Justiça não se aplica a todos, o que não pode ser aceito, maculando, assim, a imagem do Poder Judiciário”, afirma Adelmo Pinho. “A falta de repressão devida neste caso, se mantida a sentença, servirá como um ‘incentivo’ à prática de crime dessa natureza, comumente cometidos por agentes inconsequentes, egoístas, enfim, que não se importam com a vida dos seus semelhantes, como se deu neste caso. A função do Estado-Justiça é regular a vida das pessoas para a convivência em sociedade e pacificar conflitos, inclusive na esfera criminal, com a aplicação da pena aos agentes. Neste caso, ao menos por ora, não houve uma resposta adequada da Justiça aos crimes, portanto, deixou o Estado-Justiça de cumprir sua função de repressão a um ato criminoso. Nisso, pois, reside a grande irresignação ministerial. Quer-se tão somente JUSTIÇA e não vingança.”


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