O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou nesta segunda-feira (10) que o médico Lauro Henrique Fusco Marinho, um dos líderes do esquema fraudulento que desviou cerca de R$ 500 milhões da Saúde Pública em ao menos quatro estados brasileiros – por meio de organizações sociais ligadas às santas casas de Birigui e Pacaembu e sempre sob o comando do anestesista Cleudson Garcia Montali – seja submetido a novos exames médicos para que o ministro Gilmar Mendes decida sobre seu possível retorno à cadeia.
Lauro Fusco teria se beneficiado de um plano traçado dentro do CR (Centro de Ressocialização) de Araçatuba que, segundo a Polícia Civil, fez com que ele e Cleudson fossem transferidos ao regime de prisão domiciliar alegando problemas de saúde incapazes de serem tratados de dentro da cadeia e que por conta disso corriam o risco de morrer.
Os indícios de arquitetura do esquema dentro do presídio em Araçatuba se deu após a constatação de que, no período em que ficou preso, Cleudson recebeu um total de 253 visitas. Dentre elas, 10 de médicos; 11 de fisioterapeuta; 1 de um nutricionista; 8 da própria mulher; e 223 de seus advogados. O que reforça a tese de que informações seriam trazidas de dentro do CR para pessoas do lado de fora executarem o que estava sendo planejado.
O primeiro a conseguir a prisão domiciliar foi justamente Cleudson. De acordo com a Polícia Civil e o Ministério Público, o anestesista conseguiu enganar Gilmar Mendes ao apresentar laudos e atestados médicos falsificados em petição feita ao STF para que fosse transferido do CR de Araçatuba para sua casa, num condomínio de luxo de Birigui.
Os advogados de Lauro Fusco conseguiram que a medida concedida a Cleudson, no dia 12 de abril, fosse estendida a ele dias depois. Desta forma, os dois acabaram saindo do presídio no mesmo dia, tendo em vista que a decisão de Gilmar Mendes demorou a chegar ao conhecimento da Justiça em Araçatuba.
DEIXARAM RASTROS
O plano que levou os médicos Cleudson Montali e Lauro Fusco do presídio para o conforto de suas casas teria sido perfeito se não tivesse deixado rastros que acabaram sendo encontrados pela polícia, como revelou reportagem do jornalista Maurício Ferraz, do programa Fantástico, na noite deste domingo (09).
A transferência dos dois principais nomes do esquema criminoso que teria desfalcado a Saúde Pública do país em ao menos meio bilhão de reais teve como sustentação resultados de exames e laudos médicos falsos – um deles, inclusive, com assinatura adulterada e sem o conhecimento do titular do CRM (registro no Conselho Regional de Medicina).
No caso de Cleudson, um exame de sangue com cinco itens adulterados e duas indicações “médicas” de que ele deveria ser transferido do cárcere para a prisão domiciliar com urgência por não receber tratamento adequado para problemas de saúde decorrentes de uma cirurgia bariátrica (redução de estômago) à qual fora submetido em 2017, teriam induzido o ministro do STF a aceitar o pedido feito por seus advogados.
Entre os referidos problemas indicados nos documentos, Cleudson estaria sofrendo de “amnésia” dentro do CR de Araçatuba, o que significa que o anestesista passou a ser acometido de “falta de memória” depois que foi preso. Além de “desnutrição, caquexia (perda de tecido adiposo e musculatura óssea), sarcoidose (crescimento de nódulos inflamatórios em diversas partes do corpo), fraqueza, perda de massa muscular, anemia, gastralgia (dor de estômago), depressão, raciocínio lento e dormência de membros inferiores”.
Na prática, doenças que foram todas elas relatadas pelo próprio Cleudson, de dentro da cadeia, a profissional da saúde que, simplesmente, as teriam elencadas em laudos apresentados à Justiça. “Foi o próprio Cleudson quem elaborou todos os relatórios médicos. Esses laudos foram passados para um médico de confiança dele. E ele apenas reproduziu aquilo que já era escrito pelo Cleudson”, afirma, na reportagem do Fantástico, um delegado da Polícia Civil de Araçatuba que atuou na linha de frente das investigações contra a organização criminosa.
As descobertas da polícia e do Ministério Público fizeram com que o ministro Gilmar Mendes fosse informado da estratégia traçada por Cleudson. O magistrado acabou revogando sua decisão em favor do anestesista, que voltou a ser preso no último dia 2, um domingo, na casa do sofro, na cidade de Clementina.
‘IRMÃO CAMARADA’
No caso de Lauro Fusco, ele também usou do argumento de ter sido submetido a cirurgia bariátrica e, assim como Cleudson, apresentava sérios problemas de saúde que poderiam levá-lo à morte caso não recebesse tratamento adequado no conforto de sua residência.
Um relatório médico apresentado ao STF, no dia 14 de abril, indica que “Doutor Lauro” vinha apresentando na cadeia uma série de complicações. Entre elas, perda de apetite, diarreia, fraqueza, dor muscular, insônia e sono não reparador, além de síndrome do pânico, ansiedade e doença pulmonar crônica. O que levou Gilmar Mendes a acreditar nas alegações informadas, uma vez que, na Suprema Corte, não tinha como saber se tais documentos eram ou não ilegais.
O ministro, na ocasião em que concedeu a prisão domiciliar, também não tinha conhecimento de que o médico que assina o relatório favorável a Lauro Fusco é seu próprio irmão: Luiz Fusco Marinho, que, no documento, abreviou sua assinatura para não chamar atenção da Polícia Civil, do Ministério Público e da Justiça.
Luiz Fusco Marinho disse à Polícia Civil que sempre assinou seu nome abreviado e que só ele poderia emitir laudo sobre as condições físicas de Lauro por ser quem acompanha o irmão. O advogado do profissional alega que o relatório seria baseado em um conjunto de exames e documentos emitidos por outros médicos e que não há o que ser contestado no que foi informado ao judiciário.
No entanto, a pedido do MP de Araçatuba, dois dias após a apresentação desse documento, um outro foi anexado aos autos. Desta vez, afirmando que Lauro Fusco, dentro da prisão, se encontrava em “bom estado geral”, corado e hidratado.
‘ZIVA MÉRRICO’
Ao relatar, em reportagem veiculada neste domingo, o esquema que tirou da prisão dois dos principais nomes detidos durante a Operação Raio X, deflagrada em 29 de setembro de 2020, que evidenciou um possível desfalque de meio bilhão em recursos que deveriam ter sido destinados à Saúde Pública do país, o Fantástico também mostrou como Lauro Fusco e outros envolvidos gastavam o dinheiro que ia parar em seus bolsos.
O médico, “braço-direito” de Cleudson Montali, aparece em vídeos ostentando a boa vida em passeios luxuosos. Em um deles, surge tomando drinques dentro de uma piscina na cobertura de um hotel de frente para o mar. Com voz enrolada, indicando estar possivelmente embriagado, ele chega a balbuciar: “Ziva Mérrico”. Numa demonstração de que a intenção seria, na verdade, saudar: “Viva, México!”.
Em outra imagem, “Doutor Lauro” aparecem em uma embarcação, navegando por algum dos rios que cortam cidades turísticas da Europa. Na imagem, ele desdenha da pobreza enfrentada pelos brasileiros. “Tem vida mais barata, mas não presta, não”, afirma o médico, que chegou a alegar estar desnutrido por conta dos poucos meses que permaneceu no cárcere após sua prisão, em 29 de setembro do ano passado.
VOLTA AO 'HABITAT'
Diante de tudo que a Polícia Civil e Ministério Público apuraram sobre o esquema engendrado para favorecer a prisão domiciliar dos médicos alvos da Operação Raio X, o STF determinou que, no caso de Lauro Fusco, ele seja submetido a novos exames. Com base nos resultados, ele poderá voltar ao sistema penitenciário. Assim como já aconteceu com seu “amigão do peito” Cleudson Montali, que, após ter sido preso no dia 2 deste mês, foi transferido para o CDP (Centro de Detenção Provisória) de São José do Rio Preto, onde há detentos de maior grau de periculosidade que seus antigos colegas de cela no CR de Araçatuba.